Felipe Prestes

Desde os anos 1990, a professora do Laboratório de Genética Toxicológica da ULBRA Juliana da Silva vem estudando alterações celulares provocadas pelo carvão em seres vivos. As pesquisas começaram com roedores e, com a participação de diversas orientandas, se estenderam para os trabalhadores da mineração, em Candiota, e também para as populações do entorno. O estudo com trabalhadores (realizado durante o mestrado da pesquisadora Melissa Rosa de Souza) detectou alterações celulares. “A gente viu algumas alterações celulares que os exames de rotina não estavam mostrando muito. O hemograma sempre aparece normal e esses exames que a gente faz, que são voltados para a biologia celular, mostram que tem algumas alterações”, explica Juliana, que também é docente na Unilasalle.

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Candiota. Foto: Maia Rubim/Sul21

Essas alterações celulares podem ter relação com câncer e doenças respiratórias, mas a professora adota postura cautelosa quanto a isto. “Em um dos testes a gente avalia de forma indireta alterações cromossômicas, lá no DNA da célula. Quem tem mais esse tipo de dano, por mais tempo, teria uma correlação – segundo os artigos da literatura – com desenvolvimento de câncer. Mas a gente não trabalha com câncer, não temos estudo epidemiológico na região que mostre isso”, ressalta. “O que a gente mostra é que está tendo aumento de instabilidades celulares, que podem, sim, ter alguma relação com desenvolvimento de algumas doenças, não só o câncer e doenças respiratórias, outros tipos de doenças também podem estar relacionadas”, completa.

Para Juliana da Silva, o que os dados comprovam é que se deve ter a máxima precaução na exploração do carvão. “Não quer dizer que, se tem alteração (celular), a pessoa vai morrer de câncer, porque às vezes as pessoas interpretam de forma errônea, mas mostra que, sim, elas estão expostas a alguma coisa que está alterando essa dinâmica celular, então tem que se tomar algum cuidado com isso. De que forma? Equipamento de proteção, filtros corretos”, elenca a professora, que se orgulha de que, em 2013, uma pesquisa dela e de sua orientada Paula Rohr motivaram um Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público do Trabalho e a CGTEE para melhorar as condições de trabalho na Usina Termelétrica.

Nova pesquisa vai analisar populações de Candiota e outras três cidades

Em seu doutorado, ainda em andamento, Melissa Rosa de Souza está analisando possíveis alterações celulares nas populações de quatro cidades: Aceguá, Bagé, Candiota e Pinheiro Machado. O objetivo é saber se, além dos trabalhadores, os demais moradores de Candiota e de cidades próximas são afetados pelas atividades da mineração e da usina termelétrica. Foram colhidas amostras de material biológico (sangue, urina e mucosa oral) e também foi feita aplicação de um questionário com perguntas relacionadas com o estilo de vida dos voluntários, porém os resultados das amostras ainda não foram analisados.

Pesquisa de Melissa está em andamento. Foto: GECOM

Também para o seu doutorado, Melissa colheu análises do solo dessas localidades e constatou que antigos relatos da população fazem sentido. “Com relação à direção dos ventos, a gente enxergou aquilo que esperávamos, que estava descrito, que existe um túnel de vento que vai jogar a poluição principalmente para Aceguá, para aquele lado onde faz fronteira com o Uruguai. Lá tem alguns problemas que eles acabam relatando mais que na própria Candiota, questão de chuva ácida, silicose no gado, que faz perder os dentes”, relata.

A pesquisadora identificou que no inverno a poluição se concentra mais em Candiota, enquanto que no verão, os ventos a carregam na direção de Aceguá. “No inverno a gente tem precipitação maior dos poluentes, então acaba caindo aquele poluente sobre a região (de Candiota), a poluição fica ali. No verão, a gente tem maior predominâncância de ventos, o que acaba levando essa poluição para outros lugares”, explica.

Melissa ressalta também que houve uma redução na poluição nos últimos anos. “Os moradores relatam da diminuição que tem ocorrido comparado a anos atrás. Hoje a gente fala com eles e eles dizem: ‘não, tá tudo bem, tinha que ver quando tinha cinzas em cima dos carros’. E, hoje em dia, nem se fala tanto dos casos de chuva ácida e de silicose do gado, porque reduziu bastante. Mas, no solo, a gente percebeu que Aceguá é uma das cidades mais afetadas. Além de Candiota, claro”.

Natural de Charqueadas, cidade que já foi mineradora, Melissa conta que foi isto que a motivou a estudar os impactos do carvão. “Lá era uma cidade bastante feia. Com bastante rejeito de carvão pela cidade, então as pracinhas e os parques era o solo lunar, a gente brincava. Era cinza, não crescia nenhum tipo de vegetação. E lá era mina subterrânea, então sempre tinha aquelas histórias assombrosas, de gente que morria, e aí quando entrei na faculdade procurei trabalhar com isso”.

Já na graduação, a pesquisadora fez seu trabalho de conclusão analisando como caramujos reagiam à exposição deste solo cheio de rejeitos, que as crianças chamavam de “solo lunar”. “Ela mostrou que o solo levava lesões celulares aos caramujos”, relembra a orientadora Juliana da Silva.

Melissa relata que houve um trabalho de recuperação da paisagem de Charqueadas pela Copelmi, empresa que explorava o carvão na cidade: “Hoje a cidade deu uma melhoradinha, está mais bonita”.

A professora Juliana da Silva. Foto: Aldrin Bottega/Ulbra

A orientadora Juliana da Silva conta que já participou de uma pesquisa feita com moradores, semelhante à que Melissa realiza na zona sul do Estado, em uma localidade da Colômbia. “A qualidade do carvão e as condições meteorológicas faziam com que o carvão tivesse combustão espontânea. E as pessoas recebiam esses outros tipos químicos que são da queima do carvão. A gente demonstrou, sim, alteração celular nos moradores, pela exposição ao pó do carvão e ao produto dessa queima do carvão, e de acordo com a direção preferencial do vento. Então se consegue ver essa relação direta, existem modelos matemáticos que conseguem, inclusive, mostrar essa relação com a quantidade de particulados, a quantidade de agentes e o que tu estás vendo nessa população. E a gente está tentando fazer uma coisa similar nessas populações que moram no entorno da usina (de Candiota)”, relembra.

Roedores também tiveram alterações celulares

A primeira pesquisa de Juliana da Silva relacionada ao carvão foi com roedores conhecidos como tuco-tucos. A professora da ULBRA, àquela época pós-graduanda da UFRGS, conta que o professor Thales Freitas, da universidade federal, coletava tuco-tucos em todo o Estado e relatou que os roedores da região de Candiota “não pareciam tão bem quanto os outros”. “E aí eu disse: achei o que eu quero fazer na minha tese”.

Juliana, então, capturou tuco-tucos em Candiota, onde há mineração e queima do carvão; Minas do Leão e Butiá, onde havia apenas mineração; e em Pelotas, onde não há nenhuma atividade relacionada ao mineral. Após coletar amostras de sangue, devolveu os animais à natureza. “A gente comparou essas amostras e viu que realmente em Candiota tinha mais dano que em Butiá, que tinha mais dano que em Pelotas. Tinha uma relação direta com hidrocarbonetos e com metais, como alumínio, vanádio, chumbo”.

A pesquisadora ressalta que, naquele momento, havia menos cuidados na mineração e na queima do carvão. “Quando ia coletar os roedores, eu saía com meu braço coberto de cinza. Chegava no final do dia a toalha ficava preta. Era macroscópico”.

Candiota. Foto: Maia Rubim/Sul21

“A gente não quer que não se produza mais energia”

As pesquisadoras relatam que, muitas vezes, há dificuldades em realizar pesquisas com a população das cidades mineradoras, pois há o temor de que a questão ambiental possa prejudicar a atividade econômica. “O pessoal tem muito medo. Quando a gente vai lá para Candiota e fala que vai fazer uma pesquisa, o pessoal não quer nem ouvir falar. E não é isso que nós queremos. A gente sempre pensa no ambientalista como se fosse alguém contra esse desenvolvimento econômico. E não tem que ser assim”, defende Melissa. “Eu acho que tem que se trabalhar junto. Porque se não fossem pesquisas desse tipo não ia ter uma melhora”.

A orientadora concorda: “Quando a gente faz esse tipo de pesquisa ,não queremos que não se produza mais energia, porque a gente sabe que faz parte do desenvolvimento. Sabemos que a população precisa desse emprego. Mas a gente quer que seja uma coisa controlada, que se tomem os cuidados corretos, que a gente não sofra com isso, a população que trabalha lá, o ambiente como um todo, todas as espécies, para o equilíbrio ambiental. A gente quer gerar dados que mostrem que, sim, temos um problema, tem agentes químicos que têm relação com diferentes tipos de doenças. Então, se a gente sabe disso, temos que tomar cuidado”, afirma Juliana da Silva.

Candiota. Foto: Maia Rubim/Sul21

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1 comentário

Mábio Dutra · 10 de agosto de 2019 às 06:36

Onde estão os educadores ambientais dessa região? Cadê o caráter emancipatório e participativo que propõe uma sociedade pró-ativa pelo direito ambiental? Cadê os Relatórios de Impacto Ambiental, que devem monitorar e propor controle e mitigação de danos? O Ministério Público não os acompanha?

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