Felipe Prestes

A cidade de Arroio dos Ratos – cerca de 60 quilômetros a oeste de Porto Alegre – ostenta orgulhosamente o epíteto de Berço da Indústria Carbonífera Nacional. É lá também a sede do Museu Estadual do Carvão, que tem “o objetivo de preservar a história da exploração do carvão e a história dos mineiros”. Porém, no bairro Princesa Isabel, mais conhecido como Poço 4, os moradores têm procurado mostrar outro lado da mineração. Localizado ao lado de uma mina de carvão da Copelmi, o bairro demora a conseguir dormir devido às atividades mineiras que vão madrugada adentro. Seus moradores também têm perdido o sono por causa das rachaduras nas casas, que afirmam terem sido provocadas pelas detonações de explosivos na mina, embora a empresa negue a correlação.

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Quem sai de uma das principais ruas da cidade e entra em uma das vias de chão batido do bairro, caminha algumas quadras e logo avista um enorme morro de areia e de outros materiais retirados da mina. Se continuar a caminhada, vai se deparar com o limite entre o Poço 4 e o terreno da Copelmi. Duas placas demarcam a divisão. Uma delas avisa: “acesso proibido, propriedade particular”. A outra exibe os horários das detonações, de segunda a sábado, das 12 às 13h e das 17 às 18h30. A mina em si não é exatamente ao lado do bairro, mas pode ser tranquilamente avistada a olho nu.

Comunidade próxima à mina de carvão de Arroio dos Ratos denuncia rachaduras nas casas, infestação de aranhas e cobras e ruídos excessivos. Foto: Luiza Castro/Sul21

A casa de Benito Marques de Souza, 72 anos, é a última antes de começar o terreno da Copelmi. Ele conta que as atividades da empresa agora estão um pouco mais longe, mas no início ficava mais perto do bairro: “Bah, o barulho era grande. Vou dizer: era uma coisa muito séria”. Como boa parte dos moradores da Região Carbonífera, Benito chegou a trabalhar com mineração. “Eu trabalhava nas peneiras. Tem que tirar, deixar só o carvão puro”, explica. Não ficou muito tempo, porque sua esposa ficou adoentada e foi difícil cuidar dela. “Lá não tem dia. É por turno, não tem feriado, não tem domingo, não tem nada. Aí eu fui obrigado a abandonar. Eles não queriam me soltar”, conta. Apesar da proximidade com as minas, a casa de Benito não sofreu qualquer abalo: “Aqui felizmente não deu nada”.

Mas, pertinho dali, Elisângela da Silva Oliveira diz não ter tido a mesma sorte. Ela mostra rachaduras nas paredes e relata que precisou trocar o piso do banheiro. Segundo Elisângela, tudo ocorreu depois que as atividades começaram, em 2017. Em 2015, antes de iniciar os trabalhos na mina, a Copelmi mandou profissionais para o bairro Princesa Isabel. Eles tiraram fotos das casas e prometeram ajudar, caso algo acontecesse, segundo os relatos dos moradores.

Elisângela foi uma das que já reclamou para a empresa. Ela conta que trabalhadores tiraram novas fotos de sua casa e levaram para engenheiros da Copelmi, que teriam comparado com as antigas e alegaram que não se trata de problema causado pelas detonações. Elisângela não se conforma com a resposta e deve recorrer ao Poder Público em busca de uma atitude.

Elisângela da Silva Oliveira. Foto: Luiza Castro/Sul21

Ela conta ainda que um funcionário da empresa veio a sua rua com um sismógrafo. “Eles mandaram um rapaz com um sismógrafo; e eles disseram que as detonações estavam padrão, estavam normal. Até estaria tremendo, mas não fora do normal deles, no que eles consideram que é normal”, diz.

A moradora relata que o barulho das detonações chegava a assustar, mas que depois de audiência pública referente à Mina Guaíba, em Eldorado do Sul, na qual as reclamações da população de Arroio dos Ratos foram trazidas à tona, a empresa mudou sua frente de trabalho para mais longe do bairro. “Nossa, os estrondos eram bem grandes. Agora que eles deram uma amenizada. A gente saía para a rua com as gurias, porque dentro de casa dá aquele impacto, tu sente nos teus pés. As gurias ficavam assustadas. Me agarravam pela mão e a gente saía para a rua”.

Fora as detonações, que ocorrem durante o dia, quando a noite cai e a cidade silencia é que os moradores do Poço 4 percebem o barulho das atividades cotidianas da Copelmi, que não param durante a madrugada. Elisângela pega o celular e mostra as gravações que fez para comprovar os ruídos. “Tu não consegue dormir. Quem trabalha, o Cristiano (marido) sai às dez pras seis da manhã, ele reclama bastante. Ele trouxe para nós tampões de ouvido. A noite toda, eles não param. A não ser quando está chovendo”, relata.

Lailiane Zeferino. Foto: Luiza Castro/Sul21

Outra queixa é a poeira. Elisângela mostra o carro sujo e conta que foi lavado na mesma semana. “Olha, logo no início que eles começaram já foi um incômodo por causa do barulho, por causa da poeira que começou a levantar, da areia e do carvão levantando”, concorda a vizinha Lailiane Zeferino. “No início, a casa ficava quase que o dia inteiro fechada por causa da poeira que levantava. Até que agora não, porque eles estão mais longe. Tem uma vizinha minha que as crianças foram para o Pronto, por causa do mal estar. Estavam com diarreia, estavam com mal-estar por causa da poeira”.

Lailiane é mais uma que tem rachaduras na casa. “A minha casa tem uns seis anos. Não tinha nada antes da mina, até porque eles vieram fazer a vistoria, tiraram foto. E depois do acontecido, ninguém veio ver se estava bem a casa. Primeiro vieram fazer a vistoria e depois nunca mais apareceram, para ver se estava bem ou não”.

Moradores adiam melhorias em suas casas

São muitos os moradores do bairro Princesa Isabel que vão construindo novas peças quando o dinheiro permite. A casa sonhada vai se tornando realidade aos poucos. Alguns, no entanto, têm deixado os sonhos pela metade. “A gente quer arrumar a casa, rebocar por fora, mas paramos de fazer. Como vou investir na casa, se está rachando toda?”, questiona Anor Silveira Quintana.

Na casa de Gabriel, rachadura na fachada. Foto: Luiza Castro/Sul21

Anor mostra uma enorme rachadura na parede de um dos quartos, que começa no teto e vai até o chão. Ele conta que a rachadura tem aumentado: “Começou ali em cima, uma coisinha de nada. E agora já tá toda a parede, de fora a fora”. Na mesma rua, não é preciso nem entrar na casa de seu filho Gabriel para ver rachaduras, pois já há uma grande na fachada.

Daiana e Gisiel também deixaram uma obra pela metade. O piso de uma nova peça que construíram está rachado. Então, deixaram só o concreto mesmo, sem azulejos. Daiana tem também outra reclamação que é comum entre os moradores: aranhas, cobras e outros animais têm aparecido com maior frequência no bairro. Recentemente, ela foi picada por uma aranha ao calçar os tênis. “Sempre teve mas não tão constantemente, cada vez aparece mais”, afirma.

Rosana conta sobre os problemas no piso. Foto: Luiza Castro/Sul21

Rosana Beatriz Crescêncio da Silva, que mora há 31 anos no bairro – “uma das primeiras a chegar” – também teve o piso do banheiro novinho danificado. “Ele tava quebrado, nós fizemos o piso. Quando ele tava novo, aí começou a barulheira e começou a rachar”, conta. Quem olha para o teto da casa de Rosana se depara com lonas. “E as telhas também (racharam). E aí a gente bota uns plásticos. Disseram que qualquer coisa iriam negociar com a gente”.

O barulho também a incomoda. “Para dormir de noite é terrível, a gente toma um susto. É a madrugada toda. É difícil a gente dormir, tem que dormir bem tarde. E os estouros quando dá chega a estremecer toda a casa”.

Na casa ao lado da de Rosana, Dejalmo Vieira dos Santos vive no cantinho que conseguiu após 29 anos de trabalho na própria Copelmi. O ruído das máquinas conta que não o incomoda – “já estou meio surdo de tanto trabalhar naquelas máquinas”. Dejalmo mostra uma porta com o vidro trincado. “Foi essa semana. Começa a desmoronar e aí? Para fazer outra casa não é fácil, trabalhei a vida toda para construir essa casa”.

Dejalmo Vieira dos Santos. Foto: Luiza Castro/Sul21

Uma das maiores rachaduras está na casa de Eli Solismar Ferreira. O corte na horizontal praticamente divide a parede em duas partes. “Começaram a estourar lá, e tremeu tudo. Foi de um dia para o outro”, afirma. Quando perguntado se lhe assusta a ideia de que algo pior aconteça, é taxativo: “Mas tá doido, não vai ficar assustado?”.

Rachaduras não são oriundas da mineração, afirma Copelmi

Procurada pela reportagem do Sul21, a Copelmi se manifestou por email. “Até o momento casos que apareceram foram constatados como problemas construtivos originais das obras e não em função da mineração”, afirma. Segundo levantamento da empresa, desde o início das atividades da mina, em 2017, foram feitos oito registros de ocorrências por parte da comunidade. “Nenhum dos casos constatou rachaduras provenientes de impacto pela mineração e sim oriundas de falhas ou deficiências estruturais de suas obras”.

A companhia detalha que “faz um levantamento completo de detalhamento técnico e fotográfico de todas as casas e construções vizinhas às áreas de atividade de mineração da empresa por meio de uma empresa de engenharia externa”. Afirma também que faz um “rigoroso monitoramento de ruído e vibração”.

Sobre a poeira, a Copelmi informa que não tem recebido reclamações dos moradores. Ainda de acordo com a empresa, “três caminhões pipa trabalham dia e noite reduzindo significativamente a existência de poeira”. Quanto ao ruído, a companhia garante: “não há como ter barulho da mina lá pois ela se encontra em posição oposta, assim não faz sentido”. A Copelmi afirma ainda que o monitoramento do ruído mostra que eles estão dentro das normas técnicas.

Casa de Daiana e Gisiel. Foto: Luiza Castro/Sul21

Com relação à infestação de animais, a Copelmi afirma que, em 2017, houve uma notificação da aparição de cobras num terreno e depois não houve qualquer outra denúncia. Esta notificação foi feita no ano de abertura da mina. “Desde então há uma empresa terceirizada que faz monitoramento e rastreamento de ocorrência e há, também, um trabalho educativo junto a comunidade. Em janeiro de 2019 houve um novo registro de aparecimento de escorpião e cobras em outro terreno. Mesmo não se tratando de um impacto direto da atividade de mineração foi feita a limpeza e manutenção da área em caráter preventivo”, relata a empresa.

A companhia destaca ainda que “toda e qualquer demanda de moradores é prontamente atendidas examinada e respondida pela terceirizada juntamente com área responsável da Copelmi”.

Moradora de área atingida pela Mina Guaíba teme consequências semelhantes

O loteamento Guaíba City, em Charqueadas, é uma das áreas que deverá ser desapropriada para a instalação da Mina Guaíba. Mas, como a mina vai sendo cavada por partes, ainda haveria um período incerto em que seus moradores ficariam vivendo ao lado da atividade de mineração. Segundo Sirlei de Souza, moradora do local, as informações são escassas, mas o período seria de cinco a sete anos. “O que eles querem fazer com a gente é covardia. Minerando cinco a sete anos com a gente morando lá dentro, no meio da poluição, vendo as nossas casas, que nós levamos a vida inteira para construir, rachadas, como eles tão fazendo em Arroio dos Ratos”, brada.

Moradores de Guaíba City são contrários a construção da Mina Guaíba. Foto: Carol Ferraz/Sul21

Outra questão que pode afetar os habitantes de Guaíba City é o rebaixamento do lençol freático para mais de 100 metros de profundidade. “O poço artesiano mais fundo que nós temos lá é de 26 metros. Então quer dizer que nós vamos ficar sem água, dependendo de um caminhão pipa, sendo que moramos no lugar mais rico em água potável, o Aquífero Guarani. É justo isso aí?”, questiona Sirlei.

Sirlei: “Para começo de conversa, nós somos proprietários, eles não vão nos reassentar. Caso a mina venha, eles têm que nos pagar.” Foto: Carol Ferraz/Sul21

Comerciante, Sirlei afirma que dificilmente conseguirá manter seu padrão de vida se sair do loteamento, no qual já vive há 20 anos. “Eu trabalho no local, eu vivo dali. Eu tenho comércio. Eu me estruturei muito bem ali. Na idade em que eu estou, eu vou começar do zero? Aonde? Vou construir tudo que eu tenho ali de que maneira? Eles vão me pagar até eu começar a me estruturar de novo, fazer o meu ponto?”. São muitas as perguntas, e poucas as respostas, segundo a comerciante. “Eles só dizem que depois que conseguirem a licença prévia, eles retornariam a falar com a gente. Depois que tiver tudo pronto? Aí eles vão fazer o que bem entendem”.

Segundo a Copelmi, as famílias que vivem em Guaíba City e também no Assentamento Apolônio de Carvalho – outro local que deverá ser desapropriado para a instalação da mina – “estão contempladas através de um Plano de Reassentamento Humano criado sob diretrizes internacionais, o qual foi desenvolvido por experientes especialistas na área”. Segundo a empresa, “as áreas para onde as comunidades serão reassentadas serão estabelecidas com a participação das famílias que as integram” e está havendo “diálogos frequentes com equipes consultoras e comitês locais”.

O termo reassentar incomoda Sirlei de Souza. Ela entende que, por ser proprietária, tem direito a receber indenização, caso precise mesmo deixar Guaíba City. “Para começo de conversa, nós somos proprietários, eles não vão nos reassentar. Caso a mina venha, eles têm que nos pagar. E outra coisa: eu sou contra a compra assistida que eles dizem para nós. Quando eu comprei aquilo ali, eu não perguntei para ninguém se eu ia comprar ou não ia comprar. Caso a mina saia eles que venham pagar os moradores. Não sejam covardes”.

Eli Solismar Ferreira mostra rachadura em casa. Foto: Luiza Castro/Sul21

Casa de Elisângela. Foto: Luiza Castro/Sul21

Foto: Luiza Castro/Sul21



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