Lançamento do Comitê de Combate à Megamineração no RS, dia 18 de junho, lotou auditório do CPERS. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Felipe Prestes

O atual presidente da AGAPAN, Francisco Milanez, foi um dos mais jovens ambientalistas a ter participado da vitória contra a poluição causada pela fábrica de celulose norueguesa Borregaard. O episódio emblemático fortaleceu a luta ambiental a ponto de transformar o Rio Grande do Sul em um estado pioneiro em diversas políticas para a área. O adolescente de apenas 16 anos, que ainda estava no colégio, tirou algumas lições daquele embate. “Foi uma vitória grande, mas foi a própria luta, não a vitória, que uniu as pessoas. São as lutas que unem”. 

Milanez vê hoje um paralelo com a luta contra a instalação da Mina Guaíba, entre os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul. O biólogo acredita que a criação do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul mostra que o movimento ambientalista está se revigorando. “De certa forma, até temos que agradecer essa estupidez que está sendo feita agora, porque está servindo para unir as pessoas. Quando eu vi a reação do Comitê de Combate à Megamineração eu pensei: nós temos uma chance”, conta.  

Sobre a primeira das batalhas, com a instalação da Borregaard em Guaíba, em março de 1972, ainda guarda na memória passagens marcantes. “Eu me lembro como se fosse ontem do Lutz dizendo assim: ‘essa celulose larga milhares de toneladas por dia de ácido sulfúrico e soda cáustica no Guaíba sem tratamento’”. Além disto, a fábrica norueguesa exalava também um mau cheiro que os ventos direcionavam para a Capital. 

Em dezembro de 1973, a fábrica da Borregaard acabou sendo fechada pelo então Secretário Estadual de Saúde Jair Soares. (Foto: CMPC)

“O que ajudou muito a luta foi o cheiro. Não era o fato de que estava destruindo o Guaíba, mas o fato de que fedia, por causa do enxofre do carvão, que produzia ácido sulfídrico. As pessoas se tocam pela aparência, e a aparência era o fedor”, relembra o então mais jovem integrante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), criada em 1971, um ano antes da instalação da Borregaard. 

À época, a poluição provocada pela fábrica gerou até uma CPI na Assembleia Legislativa. Em dezembro de 1973, a fábrica acabou sendo fechada pelo então Secretário Estadual de Saúde Jair Soares. Reaberta em março de 1974, com o compromisso de se adequar, a Borregaard foi novamente fechada em novembro, e precisou investir cerca de 3,5 milhões de dólares para poluir menos (as informações constam no livro Pioneiros da Ecologia, de Elmar Bones e Geraldo Hasse). 

O presidente da AGAPAN ressalta que naquele momento o movimento ambientalista não era considerado subversivo, o que ajudou na luta. “Nós andávamos livres na mídia e a mídia implorava por notícia, então era interessante falar de meio ambiente, porque não tinha o que falar, a censura estava a mil”. Quando Carlos Dayrell subiu em uma árvore que seria derrubada para a construção de um viaduto na Avenida João Pessoa, em 1975, as coisas mudaram. “O Dayrell desceu da árvore e foi para o DOPS. Na reunião seguinte fomos fotografados um a um por um ‘repórter’ e passamos a fazer parte do arquivo do DOPS”, conta Milanez. 

Francisco Milanez, presidente da Agapan. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

O ambientalista relembra com bom humor um fato curioso que ajudou na luta contra a Borregaard. “Um fator importante foi que as éguas do Breno Caldas (então proprietário do Correio do  Povo) começaram a ter problema de cio no haras dele por causa do cheiro. Isso fez com que o jornal estampasse na página frontal a contagem regressiva dos dias que o Governo tinha dado para que a empresa se adequasse”.  

Para o professor do Instituto de Geociências da UFRGS Rualdo Menegat é oportuno lembrar da luta contra a Borregaard. “Porto Alegre não alcançou essa qualidade de vida e essa imagem de ser uma capital arborizada, ecológica, por divina graça. Ela conquistou isso por sua luta. E um dos pontos importantes dessa luta, dessa consciência, foi quando a cidade lutou contra a contaminação da Borregaard, cujas plumas, fétidas, alcançavam Porto Alegre. E toda essa luta nós vemos que está sendo colocada em questionamento com a possível instalação deste projeto da Mina Guaíba”, afirma. 

Outra relação que o geólogo faz entre a Borregaard e o projeto de mineração é a questão dos ventos. “Porto Alegre foi afetada no passado pelas plumas de ventos provindos do oeste e do sudoeste. Hoje o minerador diz que não virão de ventos de oeste, trazendo agora as plumas com poeira de carvão”. 

Borregaard deu impulso a outras conquistas 

Em 1975, os noruegueses venderam o controle acionário da fábrica de celulose para o Montepio Familiar Militar, e a empresa passou a se chamar Riocell. A fábrica, que antes produzia apenas uma pasta de papel (transformada em papel propriamente dito na Noruega) começou a produzir um papel premiado por sua qualidade graças ao processo mais limpo de produção. Para Milanez, as lutas ambientais podem ser benéficas para as próprias empresas. “Todos os empresários choram, todos dizem que vão ter que fechar, que não têm condições. A Riocell, que exportava massa bruta, para realizar o processo limpo na Noruega, passou a ser uma empresa muito lucrativa, ter um papel premiado”. 

Outra luta em que ocorreu isso foi a dos curtumes, que jogavam poluentes direto nos rios, e, em 1989, tiveram que se adequar às questões ambientais. “Sabe o que diziam os donos de curtumes depois que a gente forçou eles em 89? Por que não nos forçaram antes? O nosso couro melhorou a qualidade. A reciclagem do cromo produziu um couro melhor, além de economizar, porque eles jogavam todo o cromo fora”, conta o presidente da AGAPAN. 

O pioneirismo da luta contra a Borregaard fez com que o Estado fosse o primeiro a ter uma Secretaria Estadual do Meio Ambiente, em 1973. Porto Alegre também teve a primeira secretaria municipal. “Tivemos também a primeira Lei de Agrotóxicos do Brasil, em 1982, sete anos antes da nacional, que foi copiada da nossa e piorada; e a primeira lei de recursos hídricos do Brasil. Nós conseguimos colocar 26 artigos na Constituição Estadual, um deles é a necessidade de plebiscito para instalar energia nuclear. Eu acho que é isso que deveria acontecer com a megamineração, uma consulta à população”, defende Milanez. 

Mas nem tudo foram conquistas. Houve, e há, retrocessos. “Nesses 48 anos (desde a criação da AGAPAN), nós deixamos de ser protetores de borboletas como gozavam, e a população inteira passou a se sentir ambientalista, isso é uma conquista da educação ambiental, da consciência de todos, todo mundo contribuiu para isto. Paralelamente, está sendo destruída toda a legislação ambiental destes 48 anos. Em 22 de fevereiro, a Prefeitura assinou um decreto, derrubando 78 decretos que protegiam árvores, todos que protegiam árvores desde 1970. No Estado estão querendo rever Código de Meio Ambiente. E na nação, não preciso nem te dizer… liberação de agrotóxicos, liberação de mineração em terras indígenas, de tudo”, lamenta. 

Representantes de mais de 50 entidades participaram da primeira reunião do Comitê de Combate à Mineração. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Comitê reúne mais de 80 entidades contra a megamineração 

A Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul (APCEF-RS) foi a entidade que tomou a iniciativa para as conversas que dariam origem ao Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul. O diretor de Formação para o Bem Comum da entidade e doutorando em Ciências Sociais, Marcos Todt, conta que em uma das reuniões da entidade foi aprovado que era importante se envolver na questão da Mina Guaíba: “Então a gente procurou a AGAPAN”. 

A primeira reunião, na sede da APCEF, aconteceu no final de maio. “Era uma quarta-feira, à noite, na Zona Sul de Porto Alegre. Pensamos que se houvesse dez entidades, estava bom. Mas a gente juntou 27 entidades e 50 pessoas. A gente sentiu como as pessoas estão preocupadas”. Quinze dias depois, no lançamento oficial do comitê, o crescimento era exponencial, com mais de 200 pessoas e 80 entidades. Atualmente, o comitê é composto por 83 instituições. 

“A ideia base era que unisse ambientalistas com associações, sindicatos, grupos de pesquisa. Essa luta não pode parecer que é somente dos ambientalistas, interessa a toda sociedade civil. 

Para nós é muito caro juntas pessoas de diversos perfis, isso é uma grande vitória”, comemora Marcos. O dirigente da APCEF-RS relata ainda que foi formado um grupo de técnicos, envolvendo sociólogos, biólogos, advogados, engenheiros ambientais, entre outros especialistas: “Eles apontaram uma série de problemas no EIA-RIMA da COPELMI e protocolaram junto à FEPAM”. 

Para Marcos Todt, a tradição de Porto Alegre inspira o comitê. “Sem dúvida, o comitê sempre teve o cuidado de enfatizar que a luta não começou conosco. Uma série de entidades já faziam essa luta. O comitê é para dar mais organicidade. Porto Alegre tem uma tradição de enfrentamentos, de entidades históricas”, ressalta. 

Audiência pública em Porto Alegre foi uma das conquistas de movimentos 

Uma das primeiras demandas dos movimentos sociais foi para que ocorresse uma audiência pública na Capital e não apenas nas cidades em que a mina estará localizada (Charqueadas e Eldorado do Sul), caso seja licenciada. A ONG Minha Porto Alegre foi uma das entidades que puxou esse movimento, através de uma ferramenta chamada “panela de pressão”, por meio da qual a população enviou emails diretamente para dirigentes da FEPAM, solicitando a realização da audiência. 

Moradores de Guaíba City contrários a construção da Mina Guaíba. Foto: Carol Ferraz/Sul21

“A gente vê muita petição online. Esta ferramenta é diferente, pois o email vai direto na caixa da pessoa que toma a decisão. Então se torna desagradável, mas ao mesmo tempo ela pode ver como um termômetro”, explica Clara Alencastro, mobilizadora da Minha Porto Alegre. Clara conta que esta mobilização pela audiência pública se deu a partir de demandas da sociedade. “A minha Porto Alegre opera ouvindo a população. Poucas mobilizações a gente criou da nossa cabeça. É claro que a gente estava por dentro (da questão da Mina Guaíba), mas a gente foi chamado por diversas entidades e pessoas”. 

Por meio da ferramenta, mais de 9 mil pessoas enviaram emails à FEPAM. O órgão, no entanto, não respondeu. “Nada de novo sob o sol. Eu esperava que não respondessem. Mas ao mesmo tempo a FEPAM é um órgão público, então é uma vergonha. Eu fico decepcionada, porém não surpresa”, diz a mobilizadora. 

Apesar da resistência da FEPAM em chamar mais uma audiência pública dentro do processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba, o Ministério Público acabou preenchendo esta lacuna e marcando a audiência, que ocorrerá no dia 20 de agosto, às 18h, no Auditório do Ministério Público Estadual (Aureliano de Figueiredo Pinto, 80).

Em Guaíba, outra cidade que pode ser afetada pela mineração, embora não esteja na área da mina, a Câmara dos Vereadores realizou sua própria audiência pública, no mês de julho, já que o licenciamento ambiental não previu o evento. Convidadas, nem a COPELMI, nem a FEPAM compareceram. “Infelizmente, a gente encara isso como um desrespeito à cidade de Guaíba, ao cidadão guaibense, que estava numa provocação de diálogo e para busca de conhecimento e ter informação. Para gente debater a gente precisa conhecer do que está falando. E com essa falta de comparecimento tanto da FEPAM quanto da empresa ficou muito mais as opiniões do cidadão, daquilo que percebe, daquilo que lê, do que aquilo que de repente é o projeto”, afirma a vereadora Claudinha Jardim (DEM), que foi a proponente da audiência. 

“A população de Guaíba está bastante preocupada porque se ocorrer qualquer dano ambiental que venha da Mina, exatamente por ela estar muito próxima a um dos deltas do Jacuí, a nossa água, vai estar contaminada. Então não é um dano pequeno, é muito grande”, afirma Aline Stolz, integrante do Conselho Municipal do Meio-Ambiente de Guaíba, que também critica a ausência da FEPAM e da empresa. “A sociedade se sente muito desrespeitada”. 

Além de Guaíba, outros municípios se mobilizaram. Em São Jerônimo, a Câmara dos Vereadores realizou audiência em abril. E em Nova Santa Rita, há uma audiência marcada para o dia 22 de agosto, às 18h. 

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1 comentário

Istefani Carisio · 12 de agosto de 2019 às 09:33

Que temos que nos unir em prol de tecnologias limpas e alternativas que protejam o meio ambiente que ja esta devastado. A mina irá trazer “trocados” para o governo do estado se comparado com o dano irreversível que pode causar.

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